terça-feira, 18 de outubro de 2011

 PREÇO DOS ALIMENTOS

DA CRISE À ESTABILIDADE
 
 
Neste ano, a Organização das Nações Unidas para o Alimento e a Agricultura, ao promover o Dia Mundial da Alimentação, adverte que o aumento do preço dos alimentos pode agravar o quadro de exclusão.
Cada vez mais nos distanciamos da meta definida pela Cúpula Mundial da Alimentação (Roma-1996) de reduzir pela metade, até 2015, o número de seres humanos dizimados ou desfigurados pela fome.
Na época, oitocentos milhões; hoje, em todo o mundo, o número de famintos já ultrapassa a sigla de um bilhão! O próprio USA conta com mais de 40 milhões de “cidadãos” abaixo da linha da pobreza. Segundo o Banco Mundial, no último ano, 70 milhões de pessoas foram empurradas abaixo da linha da pobreza. 
O agronegócio que se caracteriza pela política de monetarização de alimentos, procura se esconder atrás das mudanças climáticas para justificar o alto custo dos alimentos, fingindo ignorar que a sua prática de monetarização dos alimentos prioriza a monocultura e degrada o meio ambiente através da aplicação criminosa de insumos condenados. Admiro e louvo a coragem do cineasta Silvio Tendler pela contundente denúncia em seu filme “O Veneno está na mesa”. Com subsídios e incentivos dos governos, a própria agricultura familiar é submetida ao uso de insumos tóxicos que afetam a saúde dos trabalhadores e colocam veneno na mesa das famílias. 
O atual modelo econômico e seu projeto de desenvolvimento jamais nos conduzirão à segurança alimentar e nutricional sustentável; como ficou demonstrado pela aventura da revolução verde. Esta foi a intuição do Movimento pela Ética na Política e o clamor da 1ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar, em 1994.
Procurando-se desqualificar a qualidade e a capacidade de produção de alimentos saudáveis e adequados para consumo da população, apregoam-se o alto custo e o ritmo da produção dos mesmos.
A resposta se encontra na ousadia em optar por novo modelo de desenvolvimento e nova economia como exigências de saúde pública e de futuro para a própria humanidade. Implantar um sistema de segurança alimentar e nutricional sem modificar o modelo de desenvolvimento, significaria alimentar ilusões e dar adeus à esperança.
A alimentação e a nutrição tornam-se cada vez mais uma questão de segurança nacional e prioridade da agenda política. Alimento é vida! Sem oxigênio e água, sem ternura e leite materno, sem pão e vinho, sem outros frutos da terra e do trabalho humano, a vida desfalece e os dias cessam.
O Papa Bento XVI, na encíclica “Caridade na Verdade” (2009), ajuda-nos a entender que não se trata de caridade e de assistência social, mas de um direito humano básico que exige mudanças não só de hábitos alimentares, mas do próprio modelo de desenvolvimento.  
Para a Igreja, a exclusão social que leva o ser humano a definhar e morrer por falta de acesso ao alimento é problema ético. Ainda, segundo Bento XVI, a resposta coerente com a realidade iluminada pela Fé nos leva a contribuir para salvar a vida do Planeta e a construção da paz.
Alimento é caminho da paz. Neste milênio os conflitos se anunciam pelo controle dos recursos naturais. Com um bilhão de famintos no mundo como sonhar com a paz?
Assim, pois, torna-se urgente o anúncio do Reino de Deus, do sentido e destino da criação e da vocação à vida em comunhão, através de testemunho, diálogo e compromisso com a preservação das fontes da vida e promoção do direito humano ao alimento e à nutrição. Grande desafio, a motivação e formação da juventude para levantar e a caminhar em busca de uma terra livre dos males da miséria e da fome.  A sociedade que cultiva a justiça e partilha o pão através de uma economia solidária, não convive com famintos e necessitados. 
No Brasil, além das condições e recursos necessários, dispomos de precioso instrumento para atingir o compromisso com a superação do quadro vergonhoso da exclusão social e dos males da fome. Refiro-me à Lei Federal 11.947/2009, que dispõe sobre o Programa de Alimentação Escolar, por sinal, a melhor contribuição do Governo Lula para os objetivos da “Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida”. Uma expressão que brotou do coração inteligente do saudoso Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida, em reunião do Movimento pela Ética na Política, após o impeachment do presidente Collor (1992).
Naquela ocasião, a concentração de renda e o quadro escandaloso de famintos (32.000.000), resultantes do modelo de desenvolvimento imposto ao país pelo Golpe de Estado (1964), foram apontados como as formas mais perversas de corrupção em nosso país.
Sem dúvida, graças à ação da família, da sociedade e dos governos, houve avanço significativo na redução da miséria e dos males da fome através de iniciativas solidárias e de programas de assistência social, tais como Bolsa Família; contudo, não se deve ignorar, que a insegurança alimentar e nutricional, segundo dados oficiais do próprio governo, paira sobre milhões de lares brasileiros. O problema é maior e mais sério do que se admite, por causa de alimentação insuficiente e/ou inadequada e pelo grau de envenenamento dos alimentos.
Quase se foi o primeiro ano dos novos mandatários. Nesta etapa, devem prevalecer competência e compromisso. Em 1963, por ocasião do 1º Congresso Mundial do Alimento, o Presidente John Fitzgerald Kennedy afirmava: “Temos os meios e recursos para eliminar a fome da face da terra. Só nos falta vontade”!
Começando com as religiões, quem não tiver pecado, atire a primeira pedra! A crise que atravessamos é mais profunda e abrangente do que gostaríamos de imaginar. Parafraseando o profeta Jeremias (c14), a violência corre solta no campo, a miséria e a fome torturam a cidade. Até os sacerdotes, pastores e levitas, como baratas tontas, perambulam sem entender o que está acontecendo.
Trata-se de uma crise provocada pelo esgotamento de nossa civilização. Vivemos em sociedades excludentes e abortivas! Degradação ambiental, violência, autoritarismo, machismo, são marcas características de uma civilização guerreira e destruidora da vida.
A nova lei que dispõe sobre a alimentação escolar, embora mutilada, aponta o caminho de transformação dessa realidade iníqua e blasfema através de um novo projeto de desenvolvimento em que educação, de um lado, e, do outro, produção, processamento, preparo e consumo de alimentos saudáveis, adequados e solidários, a partir de cada micro região ou bacia, serão os principais instrumentos para combater o êxodo rural, a exclusão social e os males da miséria e da fome. Pensar e planejar o desenvolvimento do país debaixo para cima e de maneira descentralizada
Tratando-se de uma Política de Estado, bem que, até 2025, poderíamos planejar o surgimento de um Brasil justo, solidário, saudável e inteligente, como exigência da democracia, de per si incompatível com miséria e fome.
Nossas crianças e famílias merecem um projeto econômico de produção e consumo de alimentos saudáveis, adequados e solidários, ou seja, uma nova ordem econômica com mercado justo e solidário que não transforme alimento em moeda.
A partir da nova lei que dispõe sobre o programa de alimentação escolar, com recursos de fundo constitucional, moeda produzirá comida! O novo modelo de desenvolvimento vai exigir que outro seja o lastro da Balança Comercial. Jamais, o alimento!
Segundo expressão popular, saco vazio não para em pé. Criança faminta não cresce em sabedoria. Esfrega a carteira escolar percorrendo com o olhar o espaço vazio de sonhos e de festas. Não há modernidade que resista à fome de uma criança.
Sentir fome é um processo saudável quando se tem acesso à comida de boa qualidade e abundante.
Para que a criança possa efetivamente se educar precisa de carinho da família, de um lugar em volta da mesa e de uma casa que lhe ofereça privacidade e salubridade.
E a escola que a acolhe? Até hoje contemplo com orgulho o grupo escolar que me acolheu na minha infância e me lembro com profundo respeito das nossas professoras. Assim como a igreja de minha terra, o grupo escolar era para mim o templo da sabedoria. Quase uma igreja!
Com votos e preces de Paz e Bem, caminhemos a fim de que nenhuma criança morra criança por causa da miséria e dos males da fome (Isaías 65).


Dom Mauro Morelli
Bispo Católico e Peregrino
Fundador e diretor geral do Instituto Harpia Harpyia
Presidente do CONSEA- MG

Fonte: http://mauromorelli.blogspot.com/2011/10/dia-mundial-da-alimentacao-16102011.html